terça-feira, 9 de setembro de 2014

Erro de cálculo

Não era capaz de cometer um erro de cálculo.

Não era.

"Era".





O caminho parecia perfeito.
A companhia seria perfeita.

Mas enganaram-se.

Se calhar, foi um erro de cálculo.







Não, isso é estúpido.

Não sou capaz de cometer um erro de cálculo.







No entanto, enganaram-se.

O caminho mudou.
A companhia mudou.

E o que estava para vir afastou-se.








É bem capaz de ter sido um erro de cálculo.

No entanto, o caminho continuou.

Mas o que estava para vir continuou a afastar-se.

Era a altura certa para pôr as culpas em alguém, mas já não estava lá ninguém.







Foi um erro de cálculo.

Desculpem, não volta a acontecer.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Todo este título é estúpido e o bisavô dele teve tuberculose

Certo dia, um tipo chamado Horácio decidiu escrever umas coisas interessantes para a posterioridade, nas quais se incluíam uma frase bastante simples: "A raiva é um breve rasgo de insanidade." Dois mil anos depois, parece-me que a humanidade ainda não aprendeu nada com estas palavras. Calma, mas então não tivemos todo este tempo para nos desenvolvermos a ponto de sabermos controlar uma coisa tão simples? Não criámos máquinas voadoras, capazes até de deixar a atmosfera do nosso insignificante lar e explorar as redondezas deste universo infinito? Por que raio é que o ódio continua a integrar a suposta civilização construída pela espécie humana?
Infelizmente, o ódio a seja o que for é uma das emoções primitivas que habita o nosso igualmente primitivo cérebro de primata. Assim como podemos estar a rir ou a chorar num segundo, no seguinte somos capazes de estar a convocar todos os demónios do inferno numa fúria pouco digna de seres "inteligentes". Esta progressão para a raiva e os olhos avermelhados provém de uma série de mecanismos que nos são muitas vezes completamente alheios, fazendo-nos entrar em combustão sem que o queiramos mesmo. Será? É óbvio que a espécie humana possui uma característica que a torna diferente (em princípio) do resto da fauna que habita o nosso planeta: a capacidade de pensar e agir de maneira distinta daquela proposta pelas profundezas do seu sistema nervoso. E isso devia dar-nos uma oportunidade de ponderarmos a nossa breve insanidade, não? Não.
O grande problema aqui não é o facto de a sociedade não conseguir controlar o ódio que mais tarde ou mais cedo se gera a partir de situações diversas: é o facto de se verificar, cada vez mais, que as pessoas gostam desse ódio. Gostam de guardar ressentimentos, de manter rivalidades, de tecer teias de conspiração misteriosas e até mesmo libertar toda a sua fúria na cara dos seus supostos inimigos. Parece uma moda infeliz e doentia, como a moda de os Neandertal se canibalizarem uns aos outros. Felizmente, os Neandertal desapareceram há milhares de anos, e nós continuamos aqui a espalhar a palavra do... do ódio.
"Espera aí!" - grita o leitor, indignado - "A nossa espécie anda a espalhar ódio desde o momento em que ganhou cabeça para o fazer. Já te puseste a olhar para a quantidade de guerras que se travaram no passado? Pelo menos hoje não há tantos confrontos do género, minha besta!" Isto não está completamente errado, mas também não possui um único vestígio de verdade. As batalhas de um passado longínquo eram sanguinárias e terríveis, sim, mas é por isso que pertencem ao passado: a um tempo no qual, supostamente, seríamos menos civilizados que hoje. Felizmente, a actualidade conhece um mundo em que conseguimos manter muito melhor a nossa compostura e evitar o lançamento em massa de ogivas nucleares capazes de destruir várias Terras. Espera, ogivas nucleares?! Para que diabo precisamos de ogivas nucleares em tempo de paz? Ah, pois... é que nós nunca entrámos em paz.
O que quer que façamos, o que quer que desejemos, haverá sempre a tendência para a segregação da nossa raça humana em grupos mais ou menos uniformes. Podemos tentar inventar desculpas e justificar tal mecanismo com coisas fúteis do género do petróleo e outras riquezas, mas a verdade é que é tudo uma questão de ódio. Nem os nossos (supostos) grandes líderes escapam à lógica do "Nós é que somos bons, eles são feios, e nós somos melhores do que eles" porque isso faz parte da nossa natureza. Mas não pensem sequer que isto é uma desculpa: como já referi, a habilidade mais importante é ser capaz de controlar o ódio que eventualmente surgirá. O mundo não tem de se dividir em grupos religiosos que desejam a morte sangrenta uns dos outros, nem em organizações secretas que conspiram o futuro de algo que, no fundo, não interessa a ninguém. Já temos os clubismos com recurso à porrada e as discussões por causa de coisas tão inúteis quanto batatas fritas: não queiram descer mais fundo.
Gozem à vontade com a minha ideia de melhorar o mundo através da indiferença ao ódio, mas a verdade é que não perco nada com isso. A repressão da raiva que nos invade muitas vezes começa pelo desenvolvimento de uma base moral sólida, que nos impeça de partir para acções erradas e com consequências terríveis, e também uma grande - grande - paciência. Tomar decisões vitais recorrendo à pior emoção que alguma vez assolou o nosso hipocampo é meio caminho andado para a auto-destruição, o que se pode também aplicar ao nosso planeta. Não queiram fazer isso.

Como solução temporária, tenho aqui uma música que deve acalmar os vossos ânimos até à próxima idade do gelo. Se tal não acontecer, o melhor é considerarem uma carreira de eremita.


Que o Baba Yetu vos acompanhe.
(Obra original de Christopher Tin)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Liberdade da Treta

Se existe um assunto capaz de gerar as maiores controvérsias entre conhecidos, familiares e amigos, é de certeza a eterna batalha Liberdade vs Determinismo. É, realmente, um interessante (talvez irritante) campo da Filosofia que acaba sempre por culminar numa discussão ridícula na qual ambos os lados já não têm qualquer argumento e decidem, assim, resignar-se a utilizar termos como "Mas isso está mal porque tu és feio" e "Ah, mas quem diz é quem é", entre outros semelhantes.

Tenho a dizer que fui sempre um adepto da livre vontade e de toda a lógica que gira em torno de tal incrível conceito. Considerar que todos os eventos foram, são e serão ditados por algo que já foi predefinido (quando?) é, no mínimo, uma maneira derrotista de olhar para as coisas, e é por isso que vou começar esta sessão de Dizer Mal De Coisas por apresentar o meu argumento máximo contra o Determinismo: se tudo isto é obra do destino, eis as minhas inofensivas e completamente casuais perguntas - O que raio é o destino? Onde é que ele está? É Deus que faz isso? O caraças, ele está demasiado ocupado com coisas muito mais importantes. Se realmente há um "destino" por detrás do universo em que vivemos, quem é que predestinou a sua existência?
Como vêem, estou finalmente a entrar no campo da ponderação inútil que leva muitas vezes a casos de combustão espontânea ou de explosão mental que caracterizam estas discussões. E sim, como já perceberam, considero o Determinismo uma coisa que faz tanto sentido como considerar que o candeeiro que está aqui ao lado possui um sistema de propulsão nuclear. É, sendo assim, um conceito abatatado. O que é interessante, porém, é que a liberdade também é um conceito com as propriedades de uma leguminosa.

A definição de liberdade total (isto é a minha definição, não fui buscar um dicionário. Por quem me tomam, um poeta?) é como segue: "possibilidade individual de realizar qualquer acção a qualquer momento, em qualquer situação". Não fica mais incrivelmente total que isto, pois não? É que isso traz um grande problema. A liberdade, sendo assim, torna-se um conceito da treta, porque não é possível nem para os mais endinheirados Bíl Gâites deste mundo. Por mais que um oligarca da máfia russa queira, o seu Cadillac nunca terá um sistema de propulsão nuclear capaz de viajar até Alfa Centauri em dois segundos, assim como um director de uma grande multinacional nunca poderá desejar caminhar sobre a água enquanto crocodilos cantam o "Stairway to Heaven" a alto e bom som. Isso é estúpido, o que revoga a liberdade total para o campo da estupidez.
Mas então e a "liberdade", a tal condição de semi-limitação e semi-livre-vontade de que tanto falam? Isso não é liberdade nenhuma. Isso é a chamada liberdade da treta, porque (tal como se diz a toda a hora) acaba onde a liberdade dos outros começa. E isso também é estúpido.

Pelo menos teremos sempre a imaginação, onde o meu candeeiro tem um sistema de propulsão nuclear.

sábado, 18 de janeiro de 2014

A viagem ao centro do ensino (não é de Júlio Verne)

Ah, a educação. Há muito tempo que esta ocupa uma enorme fatia da nossa juventude. Sim, falo de nós, sortudos habitantes de países com um acesso à rede internacional suficientemente bom para carregar páginas preenchidas com textos pouco lógicos de um gajo que fala mal de cenas. Embora o simples acto de passar conhecimentos de geração em geração seja uma habilidade que nem sequer é limitada à espécie humana, o percurso estudantil actual é o resultado de séculos de constantes inovações e reformas pontuais, que culminaram em mais de uma década de educação obrigatória numa fatia considerável do planeta.
Felizmente para vós, hoje não pretendo falar do desenvolvimento do marco de civilização (em parte) que é o sistema educacional. Não, não. Hoje dei por mim a voltar atrás no tempo e a rever algumas das memórias mais peculiares do meu próprio percurso pelo ensino, talvez um efeito secundário deste período a que gostam de chamar a época de exames. Desta viagem mental, retirei algumas ideias e estereótipos engraçados nos quais provavelmente o leitor (sim, tu!) se irá rever, e que estarei a relembrar nas linhas seguintes. Se quiserem sair, ainda vão a tempo.
Para tornar isto mais cronológico, vamos voltar atrás e viajar ao início. O jardim de infância não conta, já que o objectivo de tais instituições é levar à loucura um grupo de educadoras que, por mais aplicadas que sejam, não poderão nunca vencer o terror que é um grupo muito mais numeroso de crianças sedentas de leite com chocolate.
Na escola primária, porém, a mentalidade dos alunos abre-se a outros horizontes para além da despensa onde guardam os pacotes de leite com chocolate. Já há uma tendência crescente para questionar a razão das coisas, pelo que não demora muito até os putos (crianças, perdão) coçarem o queixo e perguntarem-se a si próprios "Sim, isto é mesmo estúpido, mas será que é isso que me vai impedir de o fazer?" A resposta é não, naturalmente, e faz nascer algumas das situações mais hilariantes (e nostálgicas) da nossa infância. Por exemplo, o rapaz com o Beyblade mais fixe era automaticamente o tipo mais fixe da escola, pelo menos até um puto substancialmente menos fixe o vencer num confronto que envolvia dois piões de plástico a chocarem e a despedaçarem-se a uma velocidade que, na altura, parecia impossível. Esta apetência para fazer coisas que agora consideramos imaturas estendia-se ao interior da sala de aula, onde qualquer desculpa era boa para atirarmos uma borracha ao colega do lado ou, pontualmente, à professora. Um dos eventos mais espectaculares (mas também mais efémeros) das aulas da primária era talvez o momento em que o giz - agora deve ser uma caneta - aterrava pela primeira vez sobre o titânico quadro de ardósia, desenhando lentamente as letras do sumário. O conteúdo do mítico sumário não interessava - a concentração dos alunos estava, por outro lado, em passar o texto para o caderno tão rápido quanto possível. Eu fiz parte desse grupo de corredores de sumários e, passados mais de dez anos, posso dizer que a minha letra é capaz de ter sofrido com o hábito.
Quanto aos testes, que na altura não tinham o mesmo peso que viriam a ter no ciclo seguinte, já seguiam o famoso modelo de "Aquele tipo acabou mesmo cedo, deve ser alto boss". Não por muito tempo...
Com a passagem para o quinto ano, começa realmente a existir uma pressão para estudar. Há muitas mais disciplinas, sendo que o trabalho necessário para as ultrapassar com distinção também é mais elevado. Não foi isso que, na altura, impediu muita gente de esquecer as maravilhas da primária e do mundo do leite com chocolate e dedicar-se a assuntos que lhes pareciam muito mais sérios - épicas batalhas de terra ou lutas infernais contra ninhos de abelhas, por exemplo. Antes inconscientes, estes actos começaram a ganhar um estatuto de bravura perante todos os outros alunos (e de estupidez perante as funcionárias), que depressa ganhavam motivos para admirar o miúdo que tinha enfrentado um enxame furioso de artrópodes apenas armado com os punhos.
A idade e os puxões de orelhas (há muita gente que não os apanhou em dose suficiente na infância) acaba por transformar os alunos em pessoas muito diferentes quando saltam para o terceiro ciclo, o período onde muita gente já começa a levar o estudo muito mais a sério. As brincadeiras nunca chegam a morrer, mas as prioridades transferem-se para coisas que na altura pensamos ser o pináculo da importância. Ainda se associa a mesma ideia de sempre aos testes, um paradigma que está prestes a mudar.
O ensino secundário. A rampa final para a entrada no mundo profissional ou na universidade. Embora o impacto inicial não seja o suficiente para pôr muitos alunos no ritmo, a passagem do tempo fá-los perceber que têm de estudar para sobreviver. Não é isto, porém, que impede a criança dentro de cada um de nós de se expressar, agora sob a forma de piadas inoportunas (ou, quando extremamente oportunas, capazes de pôr até professores a rir) e brincadeiras que começam lentamente a tornar-se obsoletas.
Felizmente, há sempre sobreviventes do holocausto emocional que é o momento "Raios, agora preciso de estudar" e que tornam os três últimos passos na escola substancialmente mais memoráveis. Sem me querer gabar, acho que posso dizer que fui sortudo o suficiente para conviver com turmas capazes de tornar qualquer aula de uma hora meia num entretenimento.
Com o secundário, mudou também a eterna lei dos testes. Agora, o primeiro a acabar estava mesmo lixado (excluindo os testes de Inglês, mas isso é diferente).
Gostaria de passar ao mundo da universidade, mas temo que não haja muito a dizer depois de um ano e meio de experiência. Eis os únicos factos e estereótipos que confirmo:
1) Paranóia, confusão e sono generalizado;
2) Pânico fácil;
3) Capacidade incrível de descrever como é preciso estudar tanto para certa coisa, em vez de realmente se dedicar a estudar essa mesma coisa.

Por falar dos pacotes de leite com chocolate, será que isso ainda existe?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A inaudita e real etiqueta para o correcto atravessamento de passadeiras

Ah, as estradas portuguesas. Um local único do nosso país, muitas vezes esburacado, onde todos os seus habitantes esquecem os seus "brandos costumes" e assumem temporariamente o papel de velociraptors escapados da velha ilha do Jurassic Park. Tão calmo e tão civilizado que, se alguém se aproximar demasiado do alcatrão, mais rápido fica sem os tímpanos do que sem as pernas.
É um facto incontestável: nesta praia à beira-mar plantada, a condução transforma pessoas mentalmente saudáveis em demónios raivosos que fariam a bexiga de Lúcifer esvaziar-se um bocadinho. Não temam, porém, porque não tenciono discursar sobre todos os terrores que enfrentamos no dia-a-dia das vias rodoviárias. O assunto, que é bastante mais simples, parece de uma complexidade inexplicável para muitos.
E é o seguinte: falta no conhecimento de muitos portugueses um artigo externo ao código da estrada, relativo a passadeiras. Tudo bem, o livrinho do IMTT tem todas as regras que definem as prioridades numa passagem de peões, mas as leis não se traduzem instantaneamente num comportamento colectivo. Na minha opinião, mais vale esquecer o que está escrito no código e reformular a maneira como as pessoas encaram as riscas brancas que existem na estrada. Apresento, de seguida, as várias alíneas de um protótipo para o projecto mais revolucionário de toda a história de Portugal:

1) Peões: um carro significa perigo. Acima de tudo, uma pessoa a andar a pé não é uma traça, pelo que não deve aproximar-se do brilho dos faróis de um camião a oitenta quilómetros por hora. É capaz de fazer mal.
2) Para além disso, tentem estar minimamente atentos ao resto das pessoas que estão à vossa volta. A maior parte das vezes, mais vale a pena desacelerar um pouco e atravessarem a próxima passadeira juntamente com a Dona Zebertina, o que poupa algum tempo precioso aos condutores mais nervosos.
3) NÃO devem mergulhar para o alcatrão. Este hábito, muitas vezes praticado por crias com  mochilas às costas, chapéus virados ao contrário e/ou penteados ridículos, pode resultar numa obra de arte abstracta bastante comum na Rússia, muitas vezes chamada de "Vermelho no Preto".
4) Regra final: se um carro abdicar da sua velocidade para travar progressivamente (e aproveito uma vez mais para destacar o "progressivamente"), habilita-se instantaneamente a um agradecimento em forma de aceno. O mesmo aplica-se para os idiotas que pensam que a passadeira é uma autobahn, mas com um dedo do meio em vez duma palma amigável.
5) Condutores: nunca, mas nunca, mantenham uma velocidade constante em cidade. Sendo que grande parte dos portugueses habilitados a conduzir atravessa uma avenida num tempo médio de dois segundos e meio, não faz mal nenhum travar de forma preventiva antes de uma passadeira. A sério, não faz mesmo mal nenhum.
6) O travão existe para salvar os imbecis já referidos acima de se transformarem num quadro ao ar livre, mas não se inibam de lhes dar uma boa lição. Não usem a buzina; abram antes o vidro para lhes dizerem, sem tirar os olhos da estrada: "Ufa, afinal era o pedal certo." Nunca mais vão pôr um pé na estrada sem olhar para os dois lados.

Pronto, era isto que vos tinha para dizer. Sem tirar nem pôr. Agora, quando saírem à rua de manhã, já saberão o que fazer para não serem transformados numa panqueca.



Perdão, existe ainda uma regra especial:
7) Se fizerem parte do grupo de idiotas que acelera na passadeira, espero que sejam atropelados por uma manada de elefantes enfurecidos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Robôs gigantes contra extraterrestres gigantes

A segunda ronda (raios, há mais) da minha dissertação sobre a arte de não apreciar séries televisivas prende-se com a importância de um outro ramo da indústria - aquele relacionado com os grandes do grande ecrã. E venho falar de um tema semelhante para melhor poderem compreender a minha opinião na área.
Há relativamente pouco tempo, um conhecido não conseguiu conter a oportunidade de me fazer ver a maior parte de uma película chamada Pacific Rim, a qual penso já ser do conhecimento dos leitores. Se não for, basta uma pesquisa rápida no Google para saber instantaneamente que se trata de um filme realizado por Guillermo del Toro, que desenvolve uma narrativa tão simples como o título desta publicação: são quase duas horas de robôs gigantes a trocar uns murros amigáveis com extraterrestres igualmente gigantes. A história pode parecer primitiva e já incrivelmente batida, mas o que é certo é que conseguiu captar a minha atenção só como os melhores filmes o conseguem. Chego ao ponto de dizer que é talvez o filme mais apelativo que vi em todo o ano de 2013, um período de tempo que inclui favoritos como a segunda parte de The Hobbit.
Embora rebuscada e, aos olhos de uns, completamente herética, esta afirmação não podia estar mais perto da verdade. E a verdade é que nunca fui grande crânio em termos de cinema. Em todos os meus anos de existência como ser vivo consciente e capaz de articular um discurso bem estruturado (gu-gu-dá-dá não conta, o que exclui o Presidente da República), penso que nunca adquiri as capacidades que me habilitam a dizer "sim, este filme está porreiro". Bom, é óbvio que existem filmes particularmente maus que nos fazem pensar se os actores foram pagos em dinheiro ou em sanduíches de peru, e não é preciso ser um génio para o perceber.
Porém, do outro lado da balança, sobre um altar brilhante rodeado de uma horda infindável de admiradores fiéis, jazem as obras que são consideradas algo de outro mundo. Clássicos como Gone With The Wind ou Pulp Fiction impõem-se como o zénite da sétima arte, olhando do alto dos seus tronos e bradando a nós, mortais: "Olhem para nós! Estamos aqui desde mil novecentos e qualquer coisa e ainda somos melhor que o filme x ou o filme y!" E nós olhamos. Porque mesmo que não os apreciemos, existe sempre um factor decisivo na pressão exercida pela sociedade. Este adágio conseguiu estender-se a algumas obras mais recentes e igualmente merecedoras de um lugar no Olimpo, cujos criadores parecem cada vez mais desesperados por ficar na história. Na actualidade, com o mundo todo ligado pela internet, não demora muito até um filme que recebe algumas críticas favoráveis correr de boca em boca (ou de teclado em teclado) até aos nossos ouvidos, normalmente sob a forma de um entusiástico "Não acredito que ainda não viste o Nãoseiquantas! Dizem que o Fulano Tal faz um papel espectacular, e até tem uma classificação de nove vírgula dois no Site Bastante Visitado e Admirado Por Admiradores De Cinema. É um must-see!". Não, não é.
Um filme perfeito não é aquele que temos de ver porque o Zebertino o viu e achou piada, ou porque o crítico Tal de Massachusetts diz que está muito bem conseguido do ponto de vista artístico. Além disso, um filme bom não depende apenas do próprio conteúdo, forma e apresentação, mas também da situação em que o visualizamos ou das pessoas com quem o fazemos. Já disse aqui que não tenho o hábito de ver televisão sozinho, pelo que o pessoal que se está a rir na cadeira de cinema ou sofá ao lado é tão importante para mim como o que está a passar no ecrã.
Pronto, tudo bem, acabam sempre por existir filmes especialmente bem feitos, com planos bem enquadrados, actores e actrizes no seu melhor e uma história cativante do início ao fim. Normalmente, no meio das obras mais bem cinzeladas, existem algumas com pormenores que as tornam realmente únicas. Na minha opinião, o problema é que a maior parte das pessoas não nota nisso. E não o queiram fazer.
Dos meus conhecidos, tenho talvez três ou quatro pessoas que sabem realmente do que estão a falar quando conversam sobre cinema: uma delas é uma colega minha que já tem no seu portefólio umas boas centenas (senão milhares) de filmes, e quem eu considero alguém com voto sólido na matéria. Outra é uma personagem misteriosa à qual darei apenas o nome de O Tipo - um veterano do assunto, com veia para realizador e uma noção perfeita do que é um plano americano ou momento deus ex machina. São pessoas que eu admiro pelo conhecimento que têm, mas o próprio Tipo admite: já lhe é difícil ver um filme sem pensar nos planos envolvidos e na posição das câmaras, ou o trabalho que aquilo deu ao realizador. É uma capacidade única, mas desnecessária para o comum entusiasta de cinema.
E é isto: o facto de um filme ser bom ou não é algo que deve depender sempre da opinião de cada um. Para termos uma experiência tão "nossa" quanto possível, o melhor mesmo é esquecer tudo o que dizem ali ou acolá sobre aquilo que estamos a ver. E é claro que algum conhecimento também será importante, mas não nos esforcemos para saber tudo o que a sétima arte nos tem para oferecer. A menos que queiram, um dia, fazer parte dela.

E pipocas. Não se esqueçam das pipocas.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Uma série de confissões sobre séries

Depois de um título tão redundantemente ridículo como o que está acima, seria de esperar que a própria mensagem se iniciasse com uma frase que incluísse "séries". Não vos irei desapontar: já não vejo séries.
"Oh, infeliz hipocrisia!" - dirão uns, conscientes do erro superficial que esta declaração mal construída pode suscitar - "Mas quem é que o pobre sujeito pensa que está a enganar? Toda a gente vê séries neste mundo, sejam produções milionárias da HBO ou novelas para heptagenárias da SIC." Sim, não o nego: hoje em dia, com uma média de noventa televisões por habitante, é impossível não passar pelo menos uma semana sem deitar olho num artefacto televisivo que serve o papel já testado e usado (talvez também abusado) de filme partido aos bocadinhos. O que eu quero dizer é que já não me ponho em frente a um ecrã, por vontade própria, para passar horas e horas a viajar pelo mundo fictício de um CSI ou um Walking Déde.
"Oh, infeliz ignorância!" - dirão os gajos que acabaram de falar ainda há bocado, conscientes da perda de cultura que este comportamento poderá originar - "Como saberá ele quem morre no episódio nove da temporada dezasseis?" Não saberei, naturalmente, porque ainda não vi as quinze temporadas e oito episódios que precedem o dito cujo. A razão para tal perda de interesse reside na transformação que assolou o meu tempo livre após o almoço, no distante fim da escola secundária. Ante disso, quando ainda havia tempo para correr livremente pelos campos verdes dos jogos e programas de televisão, a rotina das minhas tardes livres consistia em saltar directamente para o mundo da FOX, logo a seguir ao almoço. Os imortais Simpsons, por muito criticados que tenham sido nas últimas séries, continuaram a oferecer-me algo de novo mesmo após a terceira ou quarta repetição dos episódios. Bones, por outro lado, pertencia ao mundo das três e meia, altura pela qual começava a sentir que deveria estar a fazer algo mais produtivo - a jogar computador, por exemplo!
Os últimos anos de escola não demoraram a chegar, porém, trazendo exames com eles. Com os exames, veio uma necessidade de estudar para a qual me tinha estado a preparar desde que nasci (não, isso é estúpido. Foi desde o nono ano). Sendo assim, o meu tempo de jogo passou a ser ocupado por revisões e exercícios ligeiramente mais aborrecidos, tendo a hora televisiva permanecido incólume. Até, naturalmente, ter decidido substituí-la pelos jogos do qual tinha sido privado.
Com os Simpsons a repetirem-se demasiadas vezes, mesmo para um sujeito que quase se pode considerar um fã do programa, decidi aplicar uma técnica diferente. As três e meia passaram a ser o meu limite de jogo, normalmente o previsivelmente viciante Call of Duty (sim, crucifiquem-me por isso. Olhem que eu tenho um bom gancho de esquerda). Com o estudo a ocupar o resto da tarde e algumas actividade psicologicamente mais produtivas após arrastar-me pelos livros, comecei lentamente a perder o rasto de grande parte das séries. Mesmo as que eu não seguia, das quais tinha uma vaga ideia do que se passava: essas, aliás, foram as primeiras a perder qualquer importância que ainda pudessem ter. Lentamente, também os meus favoritos foram desvanecendo na memória. A certa altura, já nem sabia se Fulano Tal era dono de uma empresa X ou se Fulana Tal ia casar com o primo do Fulano Tal depois de uma discussão entre os dois.
Muito tempo passou após ter perdido o interesse. Com a universidade, tive de começar a estudar ainda mais para coisas de que não gostava ainda mais, deixando pouco tempo livre para patuscadas e brincadeiras estúpidas. Longe da minha cidade natal, jogos pela rede com colegas também longínquos passaram a ser um entretenimento singular. Mas então e a televisão?

Ultimamente, têm aparecido toneladas de séries incríveis, recebidas de forma calorosa até pelos críticos mais ferozes. Para dar alguns exemplos óbvios, temos a famosa Breaking Bad, da qual todos os seus seguidores parecem falar como se fosse um livro sagrado, ou até o conhecido Game of Thrones, a adaptação do trabalho de George R. R. Martin. Confesso, e lá vem a hipocrisia outra vez, que já vi a primeira temporada deste último. Mas, e reforço a ideia do mas, é de notar que visionei tal coisa em férias, e juntamente com alguns colegas também admiradores de sangue, nudismo e cabeças a rolar.
Qual é a conclusão que se pode tirar daqui? Para vocês, nenhuma, menos o facto de estarem a ler um texto de um sujeito que parece ter mais sessenta anos do que aparenta. Eu, porém, e juro-vos que (ainda) não estou senil, concluo que o que matou as séries para mim foi tanto a falta de tempo para as ver como o desinteresse face a oportunidades mais apelativas. Porquê? Porque dar tiros nos meus amigos é muito melhor do que ficar horas a fio em frente a um ecrã. Quase que posso aplicar a mesma filosofia a filmes: se vou ver alguma coisa inteira, tem de ser com alguém por perto.
As séries, embora porreiras, passaram a ser uma coisa para se ver em grupo. Sim, o diálogo estraga um bocado o ambiente para o qual os programas nos são capazes de catapultar. Mas, para mim, estar a ver um filme partido aos bocados sozinho dá a mesma sensação que ir ver um filme inteiro a uma sala de cinema: não tem lá muita piada.
O que não tem piada, mesmo, é o que fizeram ao Ned Stark.


Oops.